adriano menezes

VIA EXPRESSA

'
no rasgo de luz da
janela a estampa
escorregadia da fuga,
na cara posta ao vento
a ideia torta: eram
vida as casas rápidas?
(entre os favores
que a memória presta
viagens anteriores

por esta fresta).
o coletivo me esquece
pela cidade e morde
a língua nesse entorse
que a rua entorpece.
o vento a contradizer
os cabelos, penetrando
em razões do tempo
o que era pros olhos
faz ver o desfile gomo
a gomo no mergulho
dos postes. era corpo
e é agora paisagem,
suja (circular) paga! 
o carbono recompondo
o caule cinza dos corpos,
as encardidas canelas
e o verbo encarnado;
resignação dos bustos
pela praça adulterada
a encharcar de humanidade,
espanto e granito minhas
pernas e carnes retroativas. 
uma coisa quer abrir a porta
andar sem rodas sobre o
tempo, as rosas roçar o
vento por dentro e no fundo
toda a roça é piquete.
um giro lerdo de juntas
tácteis e processuais por
dentro do esbarrão faz
um gesto no corpo que
já principia ser ilha,
veneta sangüínea, degredo. 
entornado no itinerário
parco em que me vejo
ver, anda essa luz em
rasgo traiçoeiro, como
a marcar meus anos nos
portáteis losangos da
pele embaraçando os pêlos.
à espera de visão mais
funda mexo o corpo e durmo
nesta câmara cambiante,
revelando o animal diurno,
travesti na hora ordinária
posto passos de albatroz
apeando na praça sete,
trancafiado na própria
andadura que ao bicho
remete, e o sol ilícito
diáfano vulgar transludio
varando a forma trôpega
e suas postiçagens caídas,
súbito enxaguadas sobre
a fôrma sem textura, quase
árvore e dubitativo da vila,
da nave e seus archotes e 
pensares quase evidentes,
metro, quase neutralidade,
meio boteco, quase braços,
ira congelada dos transeuntes
e as leoas banguelas da estação.
eram vida as casas rápidas?
o vermelho busão enjambrado
vai permitido hospitalar
adentro, afora meio am
bulância, meio três tiros
na costela, meio irmão das
vans interiores, anel
rodoviário, administração
de tanto a tanto por tão
pouco metendo a cara alfredo
balena adentro, hps afora,
previdência, andradas, baleia,
quase hóstias nosocômicas.
quase céu. meio azul, carne
e um asfalto absorvente dupla
face, esconderijo e existência
da rua. essa vida de chão de
armários submersos, imã
ocular, decote a céu aberto,
negaça, olhos e indigência.
ferro-velho, íngua, desmanche,
morada e vigília, os joelhos
estreitos, havaianas, ossos
e barbicha grisalha em dáblio,
cometendo ainda o requinte
da romãzeira em flor o cafuá.
o chão batido testemunha
axilas de aviões baixos em
vôos indiferentes, sujos,
comuns sonoros suvacos.
a cidadela aríete adentro
cotovelo afora, remendo,
prótese, conserva e contorno
adentro, margem direita
afora, branca figadal
estanque adentro, corte
e costura, lâmina e osso,
retalho, outdoor, martelo
e tapume, como pára-lama
em cor diversa e o corpo
resto em cinza marginal
durepoxi pus corcéis e
carretas, acostamento.
(o sol a nos rachar parelhos:
cores de lata - vivos, o poste
em riste - destino, erisipela 
e atalho encurralando
as carenagens a bater orelhas).
ombro a ombro dentro da 
curva e o emparelhamento
dos vidros, o envelope kodak,
os nós do dedo arrastando
a lágrima materna, a imagem
posada, enfiada na beca preta
emprestada pra inútil foto
do riso no moreno menino.
o emparelhamento da vida.
andar a pé, fixo pescoço, 
ignorar o emparedamento da
aldeia, a curra ancestral.
na mão uma garrafa oca
e seca por fora, é minha
carta e desespera, é signo
de morte nalguma vergonha
dessas serranas e aflitas
que são passadas a limpo,
caso conspirado por dentro,
quarto dos fundos, empregada
comida na despensa e morro
à cima, e silêncio e fome. como
diz o outro, o coração bate
à toa, cuida que os dias
são iguais feito tabuleiro
de dama ou uma reforma
no largo, percursiva
britadeira, piche. azuleja
seu coração e espera talvez
a homilia seca de uma boca
mesmo abrasiva, risco de
fósforo, cimento grosso
e sem agudezas de faca
corre no riso de uma broca
riscos no ar, de esperas de
esfregas, ranhuras e joelhos
penitentes e de quatro.
hidro vassoura, lava a jato
na calçada descalça sob céu
e bermudas de coração
eucarístico. atravesso as
casas rápidas como a vida
a parede e a massa corrida.
o velho de bolsos costurados, 
carnês, velhacos no instituto,
astúcias declamadas cabo a
rabo na madrugada da fila.
água que não há, sítio
seco citadino rego sujo,
vazamento de notícias,
margens asfálticas e calor.
penico amparando estrado,
gávea cega, poste e cabra, 
vazamento de gente e corte
de luz em feixe acidental,
vida em circunstância, feito
encontro casual sem assunto
e muito passado debaixo dessa
ponte, cataratas na catraia.
o complexo, a lagoinha, seca
mas despejante contumaz.
a veia podre bebe e arreda
entre a simetria cimentada
agulhadas de dejeção e rush,
no entanto o rito é o circuito
expelindo freadas, draivins
fábrica de torresmo, bilhar,
uma chupetiha e três posições 
à sua escolha, taxímetros,
cabine, insulfilme esporrado,
os disfarces de todos nós, os 
nós atados dentro da fuga,
exposição, fundo de bar,
haverá a alma que topa tudo.
no meio do peéfe executivo
viúva e tração ela grita pela
ordem no papelão das crias,
governando o semáforo, a
porta frouxa do parador e
cherokees caipiras do sion.
ter os olhos na flor mista
de decoro e vidro em seu
vestido de pedra andante,
compasso, valsa e desenho.
mítica como um desejo puro
como coxas que não se 
excedem em sê-las, são
coxas sob pele que dizem:
limite. pujança é seu selo.
a fiel melancolia dos cães e
gaviões a ombros com urubus
ciscando o plástico dos dias,
alusão a ruínas maiores e
o desmanche do abraço aqui,
onde o horizonte é ideia
e a sede aventura diária.
(Via Expressa, Adriano Menezes. Scriptum Livros - Belo Horizonte)
(Guitarra: 
Guilherme Granato)

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